De acordo com dados do site do Senado, o projeto que cria a figura do "feminicídio" ou "femicídio" na legislação penal foi elogiado nesta terça-feira (19) por todos os participantes da audiência pública que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) promoveu sobre o tema. Ao transformar o assassinato de mulheres por razão de gênero em homicídio qualificado, a proposta fortalecerá o combate à violência contra as mulheres e ajudará na diminuição da impunidade nesse tipo de crime, disseram os debatedores.
A audiência pública foi conduzida pela
senadora Ana Rita (PT-ES), autora do requerimento que pediu a realização do
debate sobre o PLS 292/2013, oriundo da CPI mista que investigou a
violência contra a mulher, presidida pela própria senadora.
A proposta estabelece que o feminicídio será
um dos tipos de homicídio qualificado e será configurado quando o assassinato
da mulher for motivado por questão de gênero. Ou seja, conforme detalha a
proposta, quando houver violência doméstica ou familiar, violência sexual,
mutilação da vítima ou emprego de tortura. A pena de reclusão prevista pelo
Código Penal é de 12 a 30 anos.
PIONEIRISMO
A ministra de Justiça e Paz da República da
Costa Rica, Ana Isabel Garita, participou do debate. A Costa Rica foi a
primeira nação a tipificar o crime de feminicídio na América Latina, em 2007,
informou a ministra. Ela explicou que o feminicídio é o crime de homicídio
(assassinato) praticado contra uma mulher por questão de gênero. Em sua
avaliação os homens que praticam esse crime demonstram “ódio e menosprezo” pela
vítima e têm “sentimento de propriedade sobre o corpo da mulher”.
Ana Isabel Garita elogiou a proposta
brasileira por, segundo ela, ser até mais específica que a legislação da Costa
Rica ao enumerar as situações nas quais a questão de gênero será identificada
no homicídio. Em seu país, o feminicídio ocorre apenas em relações afetivas,
mesmo que essa relação já tenha terminado.
Ela acrescentou que, atualmente, apenas sete
países latino-americanos têm a figura do feminicídio em suas legislações. Disse
ainda que as leis da Guatemala, Nicarágua e El Salvador são as mais completas,
ao prever um espectro mais amplo de situações que caracterizam a prática.
O problema mais grave do feminicídio é a
impunidade. Na América Central, a impunidade é superior a 90% - pontuou a
ministra ao afirmar que a criação do feminicídio ajudará a diminuir a
impunidade no Brasil.
Para a ministra costarriquenha, a iniciativa
é importante também “como decisão política”, pois demonstrará que o estado
brasileiro “decidiu lutar contra essa ação que tem implicações terríveis na
vida das mulheres”.
CRIME INFAME E CRUEL
A jurista Silvia Pimentel classificou o
feminicídio de “crime infame e cruel”. Ela é membro do Comitê para a Eliminação
da Discriminação contra as Mulheres (Cedaw na sigla em inglês), órgão que
funciona no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) para acompanhamento,
em todo o mundo, do cumprimento da Convenção para Eliminação da
Discriminação contra as Mulheres, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1979
e em vigor desde 1981.
Apesar da relevância e importância dessa
convenção, disse Silvia Pimentel, a expressão ‘violência contra a mulher’ não
aparece em nenhum dos 30 artigos do documento. Para ela, essa omissão foi
devida à “falta de vontade política” dos países membros da ONU à época em
reconhecerem a violência contra mulheres como um problema essencial e,
consequentemente, assumirem responsabilidades e deveres na erradicação desse
tipo de violência.
Segundo a jurista, apenas entre as décadas de
1980 e 1990 a questão da violência contra as mulheres ganhou “explícito
reconhecimento na ONU”, quando o Comitê Cedaw, por meio de documento oficial,
procurou “preencher a lacuna” deixada pela convenção de 1979.
A Recomendação Geral 19, explicou Silvia Pimentel, explicou que a
violência contra a mulher era um tipo de discriminação contra a mulher, era a
“violência de gênero”, quando o ato violento é dirigido a uma pessoa pelo fato
de ela ser mulher ou quando essa violência atinge de maneira desproporcional as
mulheres.
CIDADANIA TARDIA
A diretora-executiva da ONG Cidadania,
Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Leila Linhares Barsted, elogiou os
trabalhos desenvolvidos pela CPMI da Violência contra a Mulher e afirmou ser
imprescindível que o estado brasileiro caminhe no sentido de desenvolver uma
“política eficaz de combate e enfrentamento da violência contra mulheres”.
Segundo Leila Barsted, o antigo Código Civil
brasileiro, criado em 1916 e que só foi revogado em 2002, mostrava de maneira
clara a “cultura de subalternidade das mulheres” presente no país. Como exemplo
ela citou o dispositivo que inocentava o estuprador se ele aceitasse se casar
com a vítima.
Na sociedade e nas instituições do estado os
direitos das mulheres não eram reconhecidos até pouco tempo, disse a diretora.
O que era reconhecida era a subordinação. A
cidadania das mulheres no Brasil é uma cidadania tardia, e ainda é uma
cidadania de segunda classe – afirmou.
Para ela, ainda existe “em muitas
mentalidades” aquilo que era previsto em leis do século 19: o direito legal do
homem matar a mulher adúltera. - Essa mentalidade ainda está presente, não
apenas nos homicidas, mas também naqueles que pensam e falam ‘alguma coisa ela
fez’ para merecer – disse.
Na opinião de Leila Barsted, o estado brasileiro
ainda acredita que crimes como tráfico de drogas e formação de grupos
criminosos são mais graves que os crimes contra as mulheres. Ela disse que os
assassinatos contra mulheres são crimes mal periciados e mal investigados e que
os processos e inquéritos ainda estão marcados pela ideia errônea que o
homicídio contra mulheres não tem tanta gravidade.
Disponível em: http://www12.senado.gov.br
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